arTeira trakkinna

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

FALANDO DE PRIMAVERA

Primavera
Sandro Botticcili (1444 – 1510)



Recuso-me a aceitar qualquer tipo de colonização, inclusive a idéia de estação do ano, tipicamente européia, que nos querem impor a qualquer custo.
Então acho inadmissível que os educadores, no afã de reproduzir conhecimentos, esqueçam de ajudar os alunos a refletirem sobre as idéias que nos são passadas pela mídia, pelos livros, etc.
As crianças começam agora a desenhar e pintar flores para agraciar a primavera.
Eu, no entanto, vejo a primavera em nossa cidade no mes de dezembro, quando os ipês estão florindo, com suas pétalas caindo ao sabor do vento, criando tapetes singulares. Ah!!! E o aroma? Hum, delicia de primavera, saudosa do inverno, submissa e entregue aos encantos do verão.
Mas, para não dizer que sou do contra, sugiro aos educadores que se utilizem de bons textos, boa música e das operações do pensamento para falar da primavera...rs, "para não dizer que não falei das flores"
Que tal começarmos com uma prosa de Cecília Meireles?

Primavera

Cecília Meireles


A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.

Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer, no espírito das flores.

Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.

Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio de sol.

Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.

Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.

Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.

Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume. E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.

Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera.


Texto extraído do livro "Cecília Meireles - Obra em Prosa - Volume 1", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1998, pág. 366.

Continuando...que tal recitarmos com Olavo Bilac?

Coro das quatro estações:
Cantemos! Fora a tristeza !
Saudemos a luz do dia:
Saudemos a Natureza !
Já nos voltou a alegria !
A Primavera:
Eu sou a Primavera !
Está limpa a atmosfera,
E o sol brilha sem véu !
Todos os passarinhos
Já saem dos seus ninhos,
Voando pelo céu.
Há risos na cascata,
Nos lagos e na mata,
Na serra e no vergel:
Andam os beija-flores
Pousando sobre as flores,
Sugando-lhes o mel.
Dou vida aos verdes ramos,
Dou voz aos gaturamos
E paz aos corações;
Cubro as paredes de hera;
Eu sou a Primavera,
A flor das estações !
Coro das quatro estações:
Cantemos! Fora a tristeza !
Saudemos a luz do dia:
Saudemos a Natureza !
Já nos voltou a alegria!

E, por que não cantar com Tim Maia?

Primavera
Composição: Cassiano / Sílvio Rochael
Quando o inverno chegar
Eu quero estar junto a ti
Pode o outono voltar
Eu quero estar junto a ti
Porque (é primavera)
Te amo (é primavera)
Te amo, meu amor
Trago esta rosa (para te dar)
Trago esta rosa (para te dar)
Trago esta rosa (para te dar)
Meu amor...
Hoje o céu está tão lindo (sai chuva)
Hoje o céu está tão lindo (sai chuva)